Abril de 2011
...seis e meia da manhã. Sentir o ar frio da cidade, os pássaros cantando, o vento batendo em seu rosto, ouvir o silêncio é maravilhoso, você ainda sonha acordado. Sair do quarto, o som do trinco, dos passos em casa, do trinco da porta do banheiro... Abrir a torneira e o som da água caindo no chão, parece mais uma cachoeira, uma chuva.
Sair do banheiro, televisão da sala ligada, som do liquidificador, dos passos dos moradores do apartamento de cima. Sentar na cama, espreguiçar e morrer de vontade de deitar novamente, mas o dever chama. Colocar a roupa, o tênis e pegar os pertences. Abrir a porta do quarto, o som dos pássaros cantando tornam-se sons da tecnologia, do dia a dia do homem, mas ainda ouvimos alguns que insistem em cantar. O vento batendo em seu rosto transforma-se em uma afabilidade, ainda, sustentável. Já não ouvimos mais o silêncio, essa é a hora dele ir dormir.
Tomar seu café da manhã, ler jornais, assistir o noticiário... O som dos pássaros cantando, realmente, se foi dessa vez. Despedir-se e partir para vida. O som do trinco da porta, a chave girando na fechadura, o som das máquinas do elevador, o som dos vizinhos dando bom dia, do alarme do carro, da porta se abrindo e ufa! Se trancar dentro do carro todo fechado. Paz durante cinco segundos. Girar a chave na ignição, som do motor, marcha ré, abrir o portão, contrair e relaxar os músculos da perna esquerda com a da direita, fazendo um jogo de malhação. Som automotivo, músicas de pop, rock, MPB, fechar o portão e sair para a vida.
Sair de casa, mexer os braços inúmeras vezes, trocando movimentos com a direção e a marcha, junto com o som automotivo e o celular. Frear o veículo, esperando o semáforo liberar sua ida. Som de automóveis, buzinas, música, tudo numa miscelânea enorme. Aquela afabilidade já não é suportável. Você faz de tudo para fugir do stress. Lembrar daquele vento frio que soprava em seu rosto, dos pássaros cantando, do silêncio. Nada disso mais faz parte do seu dia a partir de agora. É o “cárcere da vida”.
Mais de trinta minutos para um percurso de cinco. É o que se leva para chegar até suas tarefas diárias. Estacionar o carro, manobrar, ouvir motoristas irritados de esperar tanto, e ainda mais, esperar você manobrar. Descer do carro estressado, pois não aguenta mais aquele dia que está só começando.
Oito horas da manhã, som do “bom dia” educado de trabalhadores, som das máquinas dos elevadores, das portas, dos telefones. Som do trinco da porta, dos passos até seu ambiente de trabalho. Como se não bastasse por aí, som do ar-condicionado, dos computadores, dos dedos digitando rapidamente, dos telefones, das pessoas falando, da televisão ligada, do rádio, dos risos, dos comentários... Realmente, seu cárcere acabou de começar.
As horas passam e seu ouvido já acostuma com todo aquele som insuportável ao ouvido da manhã. Atender telefone, anotar recados, escrever, ouvir, assistir, manter-se informado, comentar, conversar, pausa! Cafezinho... Cozinha fechada, vista do primeiro andar, ouve-se novamente o silêncio por cinco minutos. Telefone toca, tudo volta ao normal.
Sair do trabalho, almoçar em menos de uma hora. Pessoas, conversas, risadas, gritos, músicas, televisões, pratos, talheres, máquinas, enfim. Você já não ouve tão bem seu amigo que lhe acompanha.
Uma hora da tarde, novo cárcere: assistir aula. O som do professor, dos alunos conversando, das cadeiras enferrujadas, do piloto no quadro, dos dedos digitando nos laptops alheios, já nem passa pela sua cabeça, fazer silêncio. Desistir e se mudar para o mundo do ruído.
Cinco horas da tarde. Aquela ânsia, aquele desespero de voltar para seu aconchego, para o SEU cárcere. Depois de minutos no barulho diabólico do tráfico, próximo às sete horas da noite, chegar em sua cadeia é maravilhoso.
Comer, estudar, som das folhas, da sua boca mastigando, da sua respiração. Opa! Já está próximo do silêncio. Aos poucos, ele vem tomando conta de seu espaço e a noite cai, trazendo com ela, um surpreendente relaxamento para seu corpo e sua alma.
Dormir e esperar um novo dia, cheio de ruídos e cárceres.